re: início
correspondências



fernanda C. para guilherme etc.


May 7, 2023, 5:57PM

alfabeto


Se há vaga ou não
o andar o piso
Sempre preferi
a madeira e seu
constante desencaixe
à cerâmica dura
lisa e bem ajustada
as restrições a pets
o som depois das
vinte e duas
Como num jogo
participantes pulam casas
ganham ou perdem em
movimento de ida
e retrocesso
Daqui estendemos uma
tábua entre duas janelas
saltamos as palavras
no lugar do outro
Onde azulejos
contam de sua inexistência
não há um encaixe
que se salve da
massa de rejunte
originalidade é nascer
na década de trinta
e lamentar os buracos
e remendos
as vagas os barulho o tempo
guilherme etc. para fernanda C


May 8, 2023, 10:32PM


Suas palavras não me são estranhas.
Penso ter sonhado com você
Recitando-as para mim,
Comecei a escrever uma resposta
Antes mesmo de receber sua carta,
Não é esquisito?

Pelo menos, agora que habitamos
O centro do universo,
Não temos mais que nos despedir, certo?

Decerto toma um tempo
Acostumar com um novo habitat.
De perto, é bem menos complicado,
Porque então ainda me despeço?

Se digo adeus a você é
A mim que estou dizendo.
Talvez porque tenhamos trocado de roupas,
Você tem vestido as minhas
Eu tenho vestidos seus.

Ando escrevendo,
Aproveito os sinais fechados para abrir
Meu caderno e anotar alguns pensamentos.
Disserto sobre as novas moradas,
As pontes improvisadas,
Os vestígios dos antigos moradores.
Imagino os desgastes das calçadas
Dos vários calçados que se esfregaram
Sobre elas. As pedras furadas
De tanto bater a urina
De quem precisou urinar ali na rua mesmo.

Quando sonhei que você
Dizia essas mesmas palavras
Para mim, não eram essas mesmas palavras.
Gosto dessas de agora, mas gostava também
Antes de você mudar.
É inevitável essa distância
Entre o sonho e a realidade,
E entre eu e você também,
Mesmo que agora nós estejamos
Apenas a passos um do outro.

Só que quando você está no meu sonho,
A distância entre nós é nula,
E nesse caso, não há motivos para
Despedir-se.

fernanda C. para guilherme etc.

May 25, 2023, 8:50PM


Tenho postergado
algumas coisas
entre elas os encontros
tenho deixado de
lado essa vontade de
correr os dedos
como correm as
palavras
pelo poema
não sei se por
cansaço ou desorientação


enquanto li Ana Martins Marques
um filete de água
transbordou do vaso
da samambaia
não corro até a área
de serviço
ao contrário e lentamente
vou como quem caminha
entre gatos e plantas


Tenho postergado
algumas coisas
entre elas os encantos
Tenho deixado de
lado essa vontade
de correr os dedos
pelas grades
como se fossem teclas
de um piano quase mudo
é quase um surto
e me sustenta infindável

Um pôster de papel couchê
desprende da fita crepe
e curvado em direção
ao chão
como um corpo cansado
dispõe de sua queda
tudo isso e quase nada
pra lembrar da existência
desse órgão que diz sim
tem deixado de lado
o esquecimento
esse órgão chamado
vida corre feito palavra
dizendo tudo e quase nada
apenas de sua existência
e tem postergado
alguns surtos
guilherme etc. para fernanda C.

Jul 9, 2023, 10:29 AM


Volto ao seu poema não respondido
e acredito que estávamos com pensamentos alinhados
em semanas diferentes.

Sei, não preciso fazer nada,
mas não aguento ficar em silêncio
às vezes.

Aqui vão confissões de um domingo
Sem vida:
Os trilhos estão longe, agora meu estômago dói.
Amanhece frio, mas termina queimando.
Um carro para perto de nós na madrugada e mudamos de ponto.
Desejo morar em qualquer dessas ruas do Centro
só pra não ter que voltar pra casa,
mas desejo morrer em qualquer desses pensamentos.
Olho pela janela do ônibus as casas,
imagino como seria minha vida em cada uma delas.
Não era tudo isso, eu só inventei onde tinha espaços vazios.

Aos poucos desprende-se de mim a imagem. 
A sombra e o corpo andam separados já.
Eu possuo gestos parecidos com os de anos atrás.
Desejo repetir o inverno de 2019, então
convido meu ex-namorado para um concerto à luz de velas,
volto a ser sentimental e paro de cutucar as cutículas, por pouco tempo.
Aos domingos surge o desejo de confissão:
resquícios das missas que frequentei antes dos 18.

Faça o que desejar com esse poema,
você se abriu e eu fui um pouco egocêntrico.